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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

UM AVÔ FORA DE SÉRIE

Carta aos meus filhos (qualquer semelhança é mera coincidência)
Há muitas histórias sobre e com o avô de vocês, ele era o rei das histórias, e  algumas  tem vindo à minha memória com frequência e quero compartilhar com vocês. Tudo isso depois que vi, no olhar do seu pai ao pegar a netinha no colo, o mesmo olhar do seu avô quando  viu Gustavo, o primeiro neto. Eu chorei no hospital ao ver esse olhar do seu pai. Pra mim foi como voltar no tempo e sentir o mesmo carinho, o mesmo orgulho, a mesma admiração que sentia pelo meu sogro querido, todo faceiro olhando o netinho no berço. Isso, claro, depois de ele conversar (bisbilhotar) com todo mundo no hospital, principalmente com meu médico, pra saber tudo que envolvia um parto e o nascimento do netinho dele. Não dava folga pra ninguém.
 
Voltando no tempo, lembro de quando começamos  a namorar e seu pai  contou para seu avô onde eu trabalhava e ele  começou a passar por dentro da rodoviária de Barra do Piraí só pra me ver, até que um dia parou pra me contar que era pai do meu namorado. Depois disso, sempre passava por lá e me falava um oi.  Passado um tempo começaram os convites pra almoçar ou lanchar na casa deles.  E quando eu mudei de emprego, fui trabalhar num sindicato, ele passava por lá e deixava bilhetinhos debaixo da porta antes que eu chegasse – “Hoje Ceminha vai fazer pastel, vem almoçar (ou jantar) com a gente."
Ah...e uma vez planejamos um passeio ao Zoológico e à Quinta, no Rio. Ele pediu que eu dormisse na casa deles pra ajudar sua avó  a fazer a comida do piquenique do passeio. Fomos de trem. Lembro quando ele levantou dentro do trem e foi, esfregando as mãos, olhar a cesta de comida....Virou-se,  olhou pra nós duas e quase nos esganou.... o frango assado havia ficado dentro do forno e nós só tínhamos arroz e farofa pra comer. Lá, compramos pastéis para complementar nosso lanche... Ao invés de brigar (claro que falou bastante no nosso ouvido, mas sem raiva , só com vontade de comer o frango) ele passou no meu trabalho no dia seguinte e convidou para almoçar com eles  e comer o danado do frango. E o que podia ter virado um motivo de tristeza, de briga por nosso esquecimento, virou uma história muitas vezes contada às gargalhadas pra todo mundo que ele conhecia.  Isso era saber viver....
Conto isso pra vocês entenderem algumas atitudes dele, que nem conhecem. Gustavo, com uns dois anos,  teve uma crise violenta de bronquite, vomitou demais e o levamos  num pronto socorro infantil que tinha em Barra, num médico que não era o meu pediatra,  porque já era noite. Lá, o médico internou meu bebê pra tomar remédio através de soro. Seu pai me deixou no hospital e passou no seu avô pra contar isso e ele foi parar lá no hospital à noite pra saber de tudo, inconformado com a internação. No dia seguinte, cedinho, ele já tinha ido procurar o nosso pediatra , conversado com ele  e foi ao hospital pra tirar o neto de lá. Nós não discutimos, nem pestanejamos. Ele falou e fizemos o que ele disse que era o certo, porque nós o respeitávamos e confiávamos nele cegamente. O taxi já esperava na saída do hospital e seu avô, depois de criar a maior confusão dentro do hospital, teve de assinar um termo de responsabilidade por tirar uma criança dali, que não tinha tido alta. Ele era assim... E acreditávamos  piamente nele. Da mesma forma que acreditávamos piamente na mamãe, uma avó tão fora de série quanto ele. Ela falava, nós fazíamos. Nem perguntávamos o porquê. Havia confiança, havia amor, havia respeito, havia admiração... Lembrei  disso quando o Rafael me perguntou sobre alguma coisa ( papel na testa no soluço, ou álcool no banho, não lembro direito)  que mamãe mandava fazer, e ele quis saber o porquê. Não havia porquê. Eles sabiam das coisas e nós fazíamos. E nunca nos arrependemos.
E não foi só isso. Morávamos no terceiro andar do  prédio e as janelas davam para a área da casa do tio Misael. Seu avô morria de medo do Gustavo cair naquela janela e sempre falava isso. Todo dia a mesma coisa. Mas nós não tínhamos dinheiro pra colocar grades, eu e seu pai fazíamos faculdade, o dinheiro era pouco) tínhamos de esperar. Um belo dia tocam a campainha lá de casa e era o serralheiro pra medir as janelas. Eu disse que não havia encomendado nada. Ele disse que as grades já estavam pagas e seriam instaladas logo. Claro que o Sr. Alcy não queria que o neto corresse  riscos, foi logo resolvendo o problema, mesmo sem ter dinheiro sobrando também. Mas ele não media esforços pra cuidar do bem estar e da segurança da família. E a gente aceitava, sem críticas, sem reclamar, sem fazê-lo se sentir invasivo ou inconveniente.  E amávamos aquele homem dedicado, amigo de todos, cada dia mais. E confiávamos nele, sempre. Dona Ceminha ficava doidinha. Alcy não faça isso, Alcy não faça aquilo.... e ele ria.... (Hoje eu me vejo nela em muitos momentos...rs)
Tanto mamãe quanto seu Alcy e Dona Ceminha foram avós muito presentes.  Mandavam mais na minha casa do que eu mesma. Tinha dia que eu ficava louca, mas ria junto com eles depois de aprontarem alguma, depois que conseguia fazer um de vocês dormir...rs . Fazer o quê...era amor, cuidado.... e isso era bom demais, aquecia o coração. Era um tempo em que as coisas eram vistas de uma forma diferente da de hoje em dia, quando tudo se questiona, se condena, se cobra, se exige.
Quando o pai da Vânia morreu, precisávamos levar a mamãe  ao enterro em Juiz de Fora. Liguei pra Barra e pedi pra eles virem ficar com vocês aqui em Valença. Eles ajeitaram tudo rapidinho lá, pegaram o ônibus e vieram . Quando voltamos, eles tinham faxinado a casa toda (eu estava sem empregada). Na área, tinha um saco enorme, cheio de coisas. Perguntei o que era, eles disseram que limparam a casa e jogaram fora tudo que achavam que não servia mais, inclusive brinquedos de vocês. Quase morri... Tive de desvirar o saco todo, ver o que podia ir para o lixo e o que não podia... E seu avô ria, colocando as mãos para trás (lembram como ele punha a mão pra trás) , falando : "foi a Ceminha que jogou tudo fora”. Porque ela jogava mesmo!!! Quase botamos os dois pra correr, mas ao invés disso, rimos pra caramba enquanto recolhíamos o que não era do lixo.
Em todas as festas que dávamos em casa, eles nunca saíam sem deixar toda a louça lavada e a casa limpa junto com a gente. Faziam isso com o mesmo prazer que seu pai faz coisas pra vocês. Sentiam-se úteis e valorizados. Lembro que no aniversário de 1 ano do Gustavo, depois que tudo estava em ordem, seu avô sentou no chão do quarto para brincar com os presentes que o neto  tinha ganho,  feliz da vida. Vide a foto acima.
Eram meus amigos, muito amigos.  Sempre me acompanharam em todas as exposições de artesanato que eu participava. Fosse em V. Redonda, Barra ou Valença, eles pegavam o ônibus e apareciam de surpresa pra me dar uma força. E ele visitava outras barracas e voltava pra dizer que o meu trabalho era o melhor, o mais bonito, tinha um orgulho enorme de mim... Como me fizeram feliz....
Fomos uma só família. Eles sempre foram amigos da minha família. Meus irmãos e cunhadas sempre admiraram e respeitaram o seu avô.  Até mesmo nossos amigos gostavam muito dele.. Eles se encantavam com o jeito dele, excessivo, muitas vezes, mas excesso de amor, de cuidado, sempre. Na madrugada que papai morreu, Gustavo com 2 anos e Rafael com 2 meses, seu pai  foi buscar o vô e a vó para o ajudarem a me dar a noticia e ficarem comigo naquela madrugada. Assim que abri a porta e vi os dois com seu pai, corri pro banheiro vomitando ,  porque pressenti que papai tinha morrido. Era deles que eu precisava naquela hora! E eles não me deixaram um minuto sozinha. Cuidaram de vocês durante todo o  dia seguinte, para que eu pudesse ficar perto da mamãe, com a minha dor. E quando mamãe morreu, eles morreram um pouco junto,  porque a amavam demais...   Eles formavam um trio “Ternura”!
E assim foi por uma vida toda.... Quando eles foram ficando mais velhos, continuavam vindo toda semana, quase, mas a vitalidade já não era mais a mesma. Mas a mania de chegar, abrir a geladeira ou os armários, ver o que tinha de gostoso pra comer, pegar e ir pra sala comendo, foi a vida toda!!! Enquanto eu, mamãe e D. Ceminha ficávamos conversando depois do almoço (momentos inesquecíveis) , seu avô cochilava na sala, com o cachecol enrolado no pescoço... E quando acordava, vinha atrás da vó e falava “ Ceminha,” vãobora.” E não havia cristão que o fizesse mudar de idéia, talvez ainda se lembrem disso. Nos deixava doidas, porque eu sempre queria que levassem alguma coisa gostosa que tivesse feito, para ele agradar a Eliana e era uma correria pra arrumar.  Eu ainda dava umas broncas nele, mas não tinha jeito, ele já ia até andando pro portão pra nos enlouquecer...rs
Hoje eu vejo seu avô no seu pai. E isso tem mexido com minhas lembranças e me  emocionado demais . E fico feliz que ele tenha assimilado essas lições que recebeu do pai.  E agradeço a Deus por ter me permitido conviver nessa família e ser tão feliz por ter pessoas realmente amorosas no meu caminho. Eu e seu pai temos tido muitas lembranças e , em algumas noites, sentados na cama, ficamos engasgados, com os olhos marejados de saudade... E lamentamos não ter dado mais atenção, ter ficado mais tempo juntos, infelizmente. Eles sempre acharam que fizemos tudo pra eles, mas hoje vemos que podíamos ter feito muito mais... Hoje, só nos resta cultuar suas memórias e tirar lições do seu amor.