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terça-feira, 6 de abril de 2010

Ler é chato. Será?

Achei o texto muito interessante, inteligente e super atual. Vale a pena "perder um tempinho" nessa vida corrida e apreciar o que o autor discute.

"Ler é chato. Será? -
Autor : Jaime Pinsky

A idéia de que livro é chato só pode partir de quem não sabe o prazer que a leitura proporciona*

O tempo histórico não tem um compromisso muito grande com o tempo cronológico, ou mesmo o tempo psicológico: décadas no Egito dos faraós podem corresponder a anos no período da expansão ibérica ou meses do século XXI. A percepção da velocidade do tempo histórico decorre do ritmo dos acontecimentos, assim como da rapidez dos meios de transportes e comunicações. Talvez por isso, sempre que estamos em algum local tranqüilo, geralmente no interior, somos tentados a dizer que ali as coisas não acontecem e que é como se estivéssemos em pleno século XIX. É possível que, para evitar a idéia de que possamos ser vistos como retrógrados, ou fora do nosso tempo, busquemos acelerar tudo: músicas não podem ser lentas, filmes buscam ritmos alucinantes e, se não tiverem dois mortos por minuto de projeção, em média, são considerados acadêmicos. Propaga-se a idéia idiota que tudo que não é muito veloz é chato. O pensamento analítico é substituído por ‘‘achados’’, alunos trocaram a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites ‘‘de pesquisa’’ pasteurizados, textos bem cuidados cedem espaço aos recados sem maiúsculas e acentos dos bilhetes nos correios eletrônicos. O importante não é degustar, mas devorar; não é usufruir, mas possuir apressadamente. O tempo, o tempo correndo atrás.

Não que eu queira fazer a apologia da lentidão e da ineficiência, mas um bom concerto é feito tanto de bons allegros quanto de dolentes adágios. Além disso (e Charles Chaplin já percebia isso no início do século XX, em Tempos Modernos), ser humano é dominar a máquina e não ser por ela dominado. E aí, a meu ver, se estabelece uma das principais distinções entre ler e ver televisão. Você pega o livro, olha a capa, a contracapa, folheia sensualmente suas páginas e escolhe, livremente, aquela que quer ler. Pode pular pedaços, começar pelo fim, reler várias vezes trechos que amou, para decorar, ou que odiou, para criticar. Desde que seja seu, você pode escrever no livro (para isso ele tem espaço em branco): livro rabiscado é sinal de leitura atenta. Nada como retomar um livro lido anos atrás e ler nossas próprias notas: se forem ingênuas, rimos com a condescendência de quem cresceu; se forem brilhantes, nos preocupamos com nossa estagnação. Você estabelece o próprio ritmo de apreensão do escrito, seja ele ciência, seja ficção. Tantas vezes me furtei lendo lentamente o final de um livro pelo qual me apaixonara e do qual não queria me separar...

Já a telinha é autoritária. Ela começa o assunto quando bem entende, faz as pausas que quer, inserindo as propagandas que deseja, determina o ritmo, diz quando e para onde devo olhar. Se não estou no poder, então, é pior ainda. Tenho que ver jogo de time de que não gosto, pedaço de novela babaca, entrevistas sem sentido, assassinatos sem conta, tudo num volume superior ao que eu suporto, mas que não tenho como regular, pois estou sem o controle remoto nas mãos. Mesmo quando vejo um vídeo ou um DVD, em que posso controlar algumas dessas variáveis, lido com o personagem e a paisagem imaginados por outro, emboto a minha imaginação e me curvo diante de heróis e mocinhas prontos e iguais para todos, enquanto, no livro, cada um sonha como quiser e puder. Não é por outra razão que dificilmente gostamos dum filme baseado em livro que já lemos, mesmo quando a película é de boa qualidade como O Nome da Rosa ou Vidas Secas.

Antes que alguém pense que sou contra o cinema, ou até a televisão, devo dizer que isso não acontece, mas é que ando mesmo um pouco preocupado. Já não há mais quase nenhum consultório, laboratório e até sala de espera em prontos-socorros de hospitais que não tenham a sua televisão. E, o que é pior, ligada. O infeliz chega quebrado, estropiado, ou apenas dolorido, e se lhe impinge humor chulo, falsas ‘‘pegadinhas’’, loiras igualmente falsas, com síndrome de eternas adolescentes, de botinha e coxas de fora, animando crianças de olhares perdidos, conversas de pessoas confinadas que não têm o que dizer, entrevistas com pessoas que estiveram confinadas e que continuam sem ter o que dizer, e por aí afora. A sala tem pouca iluminação, já nem sequer tem aquelas revistas semanais atrasadas. A luz que falta e o ruído que sobra impedem que aqueles que trouxeram seus livros possam ler. As pessoas olham para a telinha, olham-se umas às outras e à sua própria condição. Com um livro na mão poderiam estar viajando, sonhando, aprendendo, conhecendo gente e lugares interessantes, idéias fascinantes, desbravando, questionando, maravilhando-se. Contudo, continuam sentadas olhando umas para as outras e para a telinha que cobra o tributo da dependência, da elaboração de frases feitas e idéias gastas.

A idéia de que livro é chato só pode partir de quem não sabe o prazer que a leitura proporciona. Assim, quero lançar aqui um pedido ou vários: aos médicos, para que iluminem melhor suas salas de espera, o que, além de deixá-las menos lúgubres, permitiria que as pessoas pudessem ler enquanto esperam. Aos hotéis, para que não se esqueçam de colocar luz de leitura nos quartos. Uns e outros poderiam manter uma pequena biblioteca ao alcance dos clientes. A concepção bastante corrente em nosso país de que diversão está sempre e necessariamente ligada ao ruído e ao álcool só pode partir de alguém que não gosta de fato do Brasil. E ele ainda merece uma oportunidade. Ou não?
"
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* Publicado no Correio Braziliense de 28-07-02 e na Revista Espaço Acadêmico com autorização do autor.

7 comentários:

Unknown disse...

oi Veronica , muito bom esse texto , vale acrescentar que a TV de nossas casas também tem tomado o tempo de estarmos mais proximos dos nossos , conversando , ouvindo como foi seu dia, o que estão ou estiveram lendo e sabendo o que pensam , muitas vezes a gente não consegue isso nem em casa... isso sim é CHATO ...

C. Vieira disse...

Jaime Pinsky me acompanhou por toda a faculdade de História. Um de meus professores era apaixonado pelos escritos deste historiador tão competente; e acabou incentivando nos alunos a mesma apreciação.

O gosto pela leitura foi-me incentivado muito cedo e eu apenas o calibrei ao meu olhar, com o tempo, de maneira a não julgar um livro mas aprender o teor fundamental que existe na necessidade de se ler.

O livro é ferramenta de incentivo à imaginação. Mas também pode ser instrumento para o desenvolvimento de um país. Basta para isso apenas... ler.

sonia hayek disse...

Ola Veronica! Eu como mãe.. acredito q a leitura nos traz td de bom, nos ensina a controlar nossos animos, aprimora nossos conhecimentos na lingua portugues, ensina aos iniciantes a palavra corretamente, e dependendo da estoria..nos faz acreditar q os sonhos neste papel descritos são muitas vezes a realidade de muitos, portanto ler é necessario desde os primordios...com carinho sonia hayek (Barretos /sp)

Maria Arteira disse...

Veronica,
Ler nos remete a diversos mundos. Atraves da leitura podemos nos integrar no mundo da escrita. A Tv infelizmente faz com as familias fiquem meio distantes, porem e preciso incentivar nossos filhos a boa leitura, reunir a familia para ouvir uma boa estoria.

PS meu teclado nao esta acentuando as palavras...

Dani de Oliveira disse...

Não existe coisa melhor do uma boa leitura, principalmente quando consiguimos viajar com a história, se colocar no lugar de certo personagem, uma vida paralela com a história, de fato muito bom.Embora devo admitir que estou adquirindo essa prática agora, mas que esta sendo uma boa experiência, ainda mais que li em uma reportagem, que quem mais incentiva a criança a ler é mãe e não o pai, peço desculpa por não lembrar a fonte da reportagem.
Adorei o arquivo e espero que realmente possa influenciar a vida de outras pessoas..
Muito Obrigada pelo o incentivo.

Silvia Mingardi disse...

Olha leitura é tudo de bom. Através da leitura podemos viajar, imaginar a cena e o mais interesante que cada um imagina o cenário de uma forma, e um teatro na nossa cabeça. Eu ja ouvi falar desse livro por uma cordenadora em uma reunião de pais. Eu ja tenho um outro livro do mesmo autor Você é Insubstituível, li e recomendo, e um livro de cabeceira, depois de ler sua auto-estima nunca mais erá a mesma. Beijos
Silvia Mingardi
silvinha-silvinha@hotmail.com
Bernardino de Campos SP

myrian disse...

Hoje as famílias ja não se reunem mais para as refeições numa mesa, até se uma visita chega em casa, a tv continua ligada atrapalhando a conversa que deveria ser praseirosa e que é recortada por uma cena da novela ou uma notícia ruim, enfim....
Quando nos reunimos a volta da mesa, a televisão fica la ligada no fundo,parece ate um membro da familia.
Mas nem tudo esta perdido, quando ensinamos aos nossos filhos desde pequenos o prazer de uma boa leitura.