Voltando no tempo, lembro de quando começamos a namorar e seu pai contou para seu avô onde eu trabalhava e ele começou a passar por dentro da rodoviária de Barra do Piraí só pra me ver, até que um dia
parou pra me contar que era pai do meu namorado. Depois disso, sempre passava
por lá e me falava um oi. Passado um tempo começaram os convites pra almoçar ou
lanchar na casa deles. E quando eu mudei de
emprego, fui trabalhar num sindicato, ele passava por lá e deixava bilhetinhos
debaixo da porta antes que eu chegasse – “Hoje Ceminha vai fazer pastel, vem almoçar (ou jantar) com
a gente."
Ah...e uma vez planejamos um
passeio ao Zoológico e à Quinta, no Rio. Ele pediu que eu dormisse na casa deles
pra ajudar sua avó a fazer a comida
do piquenique do passeio. Fomos de trem. Lembro quando ele levantou dentro do trem e foi,
esfregando as mãos, olhar a cesta de comida....Virou-se, olhou pra nós duas e quase nos
esganou.... o frango assado havia ficado dentro do forno e nós só tínhamos
arroz e farofa pra comer. Lá, compramos pastéis para complementar nosso
lanche... Ao invés de brigar (claro que falou bastante no nosso ouvido, mas sem
raiva , só com vontade de comer o frango) ele passou no meu trabalho no dia
seguinte e convidou para almoçar com eles e comer o danado do frango. E o que podia
ter virado um motivo de tristeza, de briga por nosso esquecimento, virou uma
história muitas vezes contada às gargalhadas pra todo mundo que ele
conhecia. Isso era saber viver....
Conto isso pra vocês entenderem
algumas atitudes dele, que nem conhecem. Gustavo, com uns dois anos, teve uma crise violenta de bronquite, vomitou
demais e o levamos num pronto socorro
infantil que tinha em Barra, num médico que não era o meu pediatra, porque já era noite. Lá, o médico internou meu bebê
pra tomar remédio através de soro. Seu pai me deixou no hospital e passou no
seu avô pra contar isso e ele foi parar lá no hospital à noite pra saber de
tudo, inconformado com a internação. No dia seguinte, cedinho, ele já tinha ido
procurar o nosso pediatra , conversado com ele
e foi ao hospital pra tirar o neto de lá. Nós não discutimos, nem
pestanejamos. Ele falou e fizemos o que ele disse que era o certo, porque nós o
respeitávamos e confiávamos nele cegamente. O taxi já esperava na saída do hospital e seu avô, depois de
criar a maior confusão dentro do hospital, teve de assinar um termo de
responsabilidade por tirar uma criança dali, que não tinha tido alta. Ele era
assim... E acreditávamos piamente nele.
Da mesma forma que acreditávamos piamente na mamãe, uma avó tão fora de série quanto ele. Ela falava, nós fazíamos.
Nem perguntávamos o porquê. Havia confiança, havia amor, havia respeito, havia
admiração... Lembrei disso quando o Rafael
me perguntou sobre alguma coisa ( papel na testa no soluço, ou álcool no
banho, não lembro direito) que mamãe mandava fazer, e
ele quis saber o porquê. Não havia porquê. Eles sabiam das coisas e nós
fazíamos. E nunca nos arrependemos.
E não foi só isso. Morávamos no
terceiro andar do prédio e as janelas
davam para a área da casa do tio Misael. Seu avô morria de medo do Gustavo cair
naquela janela e sempre falava isso. Todo dia a mesma coisa. Mas nós não
tínhamos dinheiro pra colocar grades, eu e seu pai fazíamos faculdade, o dinheiro era pouco) tínhamos de esperar. Um belo dia
tocam a campainha lá de casa e era o serralheiro pra medir as janelas. Eu disse
que não havia encomendado nada. Ele disse que as grades já estavam pagas e
seriam instaladas logo. Claro que o Sr. Alcy não queria que o neto
corresse riscos, foi logo resolvendo o
problema, mesmo sem ter dinheiro sobrando também. Mas ele não media esforços
pra cuidar do bem estar e da segurança da família. E a gente aceitava, sem
críticas, sem reclamar, sem fazê-lo se sentir invasivo ou inconveniente. E amávamos aquele homem dedicado, amigo de
todos, cada dia mais. E confiávamos nele, sempre. Dona Ceminha ficava doidinha.
Alcy não faça isso, Alcy não faça aquilo.... e ele ria.... (Hoje eu me vejo nela em muitos momentos...rs)
Tanto mamãe quanto seu Alcy e
Dona Ceminha foram avós muito presentes.
Mandavam mais na minha casa do que eu mesma. Tinha dia que eu ficava
louca, mas ria junto com eles depois de aprontarem alguma, depois que conseguia
fazer um de vocês dormir...rs . Fazer o quê...era amor, cuidado.... e isso era
bom demais, aquecia o coração. Era um tempo em que as coisas eram vistas de uma forma diferente da de hoje em dia, quando tudo se questiona, se condena, se cobra, se exige.
Quando o pai da Vânia morreu,
precisávamos levar a mamãe ao enterro em
Juiz de Fora. Liguei pra Barra e pedi pra eles virem ficar com vocês aqui em Valença. Eles ajeitaram tudo rapidinho lá, pegaram o ônibus e vieram
. Quando voltamos, eles tinham faxinado a casa toda (eu estava sem
empregada). Na área, tinha um saco enorme, cheio de coisas. Perguntei o que
era, eles disseram que limparam a casa e jogaram fora tudo que achavam que não
servia mais, inclusive brinquedos de vocês. Quase morri... Tive de desvirar o
saco todo, ver o que podia ir para o lixo e o que não podia... E seu avô ria,
colocando as mãos para trás (lembram como ele punha a mão pra trás) , falando : "foi a Ceminha que jogou tudo fora”. Porque ela jogava mesmo!!!
Quase botamos os dois pra correr, mas ao invés disso, rimos pra caramba enquanto
recolhíamos o que não era do lixo.
Em todas as festas que dávamos em
casa, eles nunca saíam sem deixar toda a louça lavada e a casa limpa junto com a gente. Faziam
isso com o mesmo prazer que seu pai faz coisas pra vocês. Sentiam-se úteis e
valorizados. Lembro que no aniversário de 1 ano do Gustavo, depois que tudo estava
em ordem, seu avô sentou no chão do quarto para brincar com os presentes que o neto tinha ganho, feliz da vida. Vide a foto acima.
Eram meus amigos, muito
amigos. Sempre me acompanharam em todas
as exposições de artesanato que eu participava. Fosse em V. Redonda, Barra ou
Valença, eles pegavam o ônibus e apareciam de surpresa pra me dar uma força. E
ele visitava outras barracas e voltava pra dizer que o meu trabalho era o
melhor, o mais bonito, tinha um orgulho enorme de mim... Como me fizeram
feliz....
Fomos uma só família. Eles sempre foram amigos da minha
família. Meus irmãos e cunhadas sempre admiraram e respeitaram o seu avô. Até mesmo nossos amigos gostavam muito dele.. Eles se
encantavam com o jeito dele, excessivo, muitas vezes, mas excesso de amor, de
cuidado, sempre. Na madrugada que papai morreu, Gustavo com 2 anos e Rafael com 2
meses, seu pai foi buscar o vô e a vó para o ajudarem a me dar a noticia e ficarem
comigo naquela madrugada. Assim que abri a porta e vi os dois com seu pai, corri
pro banheiro vomitando ,
porque pressenti que papai tinha morrido. Era deles que eu precisava naquela hora!
E eles não me deixaram um minuto sozinha. Cuidaram de vocês durante todo o dia seguinte, para que eu pudesse ficar perto da mamãe, com a
minha dor. E quando mamãe morreu, eles morreram um pouco junto, porque a amavam demais... Eles formavam um trio “Ternura”!
E assim foi por uma vida toda....
Quando eles foram ficando mais velhos, continuavam vindo toda semana, quase, mas a
vitalidade já não era mais a mesma. Mas a mania de chegar, abrir a geladeira ou
os armários, ver o que tinha de gostoso pra comer, pegar e ir pra sala comendo,
foi a vida toda!!! Enquanto eu, mamãe e D. Ceminha ficávamos conversando depois do
almoço (momentos inesquecíveis) , seu avô cochilava na sala, com o cachecol enrolado no pescoço... E quando
acordava, vinha atrás da vó e falava “ Ceminha,” vãobora.” E não havia cristão
que o fizesse mudar de idéia, talvez ainda se lembrem disso. Nos deixava
doidas, porque eu sempre queria que levassem alguma coisa gostosa que tivesse
feito, para ele agradar a Eliana e era uma correria pra arrumar. Eu ainda dava umas broncas nele, mas não
tinha jeito, ele já ia até andando pro portão pra nos enlouquecer...rs
Hoje eu vejo seu avô no seu pai.
E isso tem mexido com minhas lembranças e me emocionado demais . E fico feliz que ele tenha assimilado
essas lições que recebeu do pai. E agradeço a Deus por ter me permitido
conviver nessa família e ser tão feliz por ter pessoas realmente amorosas no
meu caminho. Eu e seu pai temos tido muitas lembranças e , em algumas noites,
sentados na cama, ficamos engasgados, com os olhos marejados de saudade... E
lamentamos não ter dado mais atenção, ter ficado mais tempo juntos,
infelizmente. Eles sempre acharam que fizemos tudo pra eles, mas hoje vemos que
podíamos ter feito muito mais... Hoje, só nos resta cultuar suas memórias e tirar
lições do seu amor.