Eliane SONHA
Estava tomando banho (o chuveiro é o meu melhor ouvinte e o melhor terapeuta que pode haver) e pensando na Eliane. Hoje ela veio fazer uma limpeza aqui em casa e toda vez que a vejo fico pensando em como posso fazer algo para mudar a sua vida. Ontem postei sobre a palestra do Mário Sérgio e escrevi sobre "ajudar o próximo e solidariedade", caminhos para aumentar nossas bênçãos. E pensei: O que posso fazer pela Eliane? Eu a conheci há muitos anos, quando meus filhos eram pequenos e ela vinha me ajudar de vez em quando. Sempre muito interessada por tudo, prestava bastante atenção ao mundo a sua volta. Era jovem, devia ter 20 anos ou pouco mais, tinha parado de estudar para ajudar a mãe, mas não tinha desistido de aprender. Os livros de inglês, fitas, disquinhos das aulas dos meninos, sempre iam parar nas mãos dela quando já na serviam mais pra eles, mesmo depois que ela saiu daqui. E ela ia aprendendo inglês, assim, sozinha! Lembro-me de, quando fui a Nova York, pegar todos os folders, jornais, revistas e propagandas que encontrei pra trazer pra ela, porque era a linguagem da atualidade, que despertaria mais a sua atenção e seria mais fácil ainda para continuar seu aprendizado. Há poucos meses, quando fui a Natal, trouxe-lhe as revistas que estavam no avião, porque tinham texto em inglês e português. E guardo para ela revistas, livros variados e tudo o que pode saciar sua sede de conhecimento. Sua casa é humilde, simples, nem sei como ela guarda tanta coisa, mas leva pra lá tudo que lhe interessa.
Porque estou contando tudo isso? Porque Eliane, hoje com mais de 40 anos, sonha. E muito! E alto! E escreve...adora escrever, inventar histórias. Já fez até um livrinho infantil com ilustrações suas, inclusive. E Eliane sonha mesmo alto: quer escrever, andar de avião, conhecer Nova York, aprender informática, estar com Bono Vox. Não sabe quem ele é? Pergunte pra ela, sabe tudo sobre ele e o U2. Ah, curte Phill Collins também! E contou-me hoje que James Blunt, cantor inglês, é de família que serve à Rainha. Como vou saber isso??? Outro detalhe: assiste aos filmes em inglês para treinar seu ouvido, coisa que eu, formada em inglês, não faço. Voltou a estudar, está no segundo grau e só tira boas notas. Em todas as disciplinas. Morre de vergonha quando o professor comenta seu trabalho, sua prova, sua nota em sala de aula. Tudo bem, muita gente volta a estudar com mais idade e se dedica, porque percebe que está ali para aprender, não para passar de ano, cumprir aquela função rápido e partir para outra, como fazemos quando adolescentes. Mas Eliane vai além, ela quer realmente aprender e entender tudo, não faz nada apenas como tarefa de escola. Ela se informa a fundo, na forma como ela pode.
Pois é, ela é mesmo uma figurinha curiosa. Muito simples, acredita nas pessoas e se estrepa, às vezes. Até na frente de juiz já foi parar porque confiou numa prima que, enquanto vivia a vida, deixou seus filhos pra Eliane criar. Prima que, um belo dia foi ao fórum dizer que ela, Eliane, não queria devolver suas crianças. Ela sofreu horrores por ter de se explicar perante autoridades e mais ainda por ter de se afastar das crianças que tanto amava, mas conseguiu sobreviver bravamente. E hoje já consegue falar sobre o assunto sem sofrer demais. Virou a página. Isso ela sabe fazer, porque escreve, e vira páginas e páginas com suas histórias. Escreve à noite, porque, durante o dia, tem de trabalhar de alguma forma para ajudar a colocar comida em casa. Depois que Dona Porcina (existiu mesmo uma Porcina, não é só na novela!), sua mãe, morreu, sua vida mudou ainda mais. Única mulher dentro de uma casa cheia de homens, já ajudava a mãe na lavagem de roupas, mas depois, a responsabilidade passou a ser dela: cuidava da casa, da comida e ainda tinha de ajudar nas compras e tentar comprar algo pra si . Pobre, negra, magra, mignon, não lhe sobrava muita coisa. Nem mesmo um grande amor teve tempo de viver. Mas ainda sonha com isso. E escreve, continua virando as páginas... e as noites... Não tem computador, está juntando um trocado pra comprar um . Na escola, disseram que os alunos iam ganhar um notebook. Ela está esperando, mas sem muita esperança. Será que um dia chega? Assim, quando quer alguma coisa digitada, pede que façam pra ela. Quando posso, digito, quando não, corrijo o que está digitado. Agora, por exemplo, vai mandar seus textos para um concurso para autores de teatro. Emprestei livros que tinham linguagem teatral, pesquisei na internet, tudo para ela passar um dos seus textos para essa linguagem, exigência do concurso. Assim, aprendeu mais uma forma de escrever. É uma empreitada difícil, porque os que concorrem às vagas já são pessoas do meio, de alguma forma. Ou vivem na cidade grande, ou tem mais condições, mais leitura. Mas ela não desiste, vai enviar seu texto mesmo assim. Um dia eles vão resultar em alguma coisa. Ou são eles que estão direcionando a vida da Eliane pra algum caminho especial? Que ela está perseguindo, sem pausa pra meditação. Já escreveu para o programa do Luciano Huck, do Gugu, pede a reforma da casa, um computador, formas de melhorar seu ambiente pra poder escrever com mais tranqüilidade. Viver com mais tranqüilidade, isso sim. Mas não tem resposta. Nada! Em casa, quase não fala, conversa mesmo é com seus cachorros. Seus irmãos não a entendem, nem seu pai, porque Eliane sonha. E sonhos não são feitos para qualquer um, devem pensar eles. Inclusive o pai. Então, ela pouco fala. Mas aqui, conversa bastante. Ri, conta suas histórias, divide seus sonhos comigo. E é por isso que estou aqui, escrevendo. Preciso de ajuda. Não de reforma da casa dela ou outra coisa. Preciso de orientação, idéia, no sentido de saber como ajudar a Eliane . Fico no pé dela para não parar de estudar, incentivo pra pensar numa faculdade. Mas.... O que posso fazer por ela? Qual o caminho? Que direção tomo? Onde procuro? Onde vou? A quem recorro? A quem mostro seus escritos? Sua linguagem é simples, suas histórias mesclam ficção com realidade, fruto de tudo que lê. Mas não devem ficar guardados dentro de velhas pastas, manuscritos, se estão doidos para tomar vida e sair por aí, como sua criadora. Muitas vezes penso se não estou ajudando a criar falsas esperanças no seu coração, quando incentivo, dou força, oriento no que posso. Ao mesmo tempo, pondero: tudo que ela aprendeu e ainda aprende, tudo que escreve, deve ter algum propósito neste mundo. Qual?
Bem, como dizia minha sábia mãe, “quem não arrisca, não petisca.” Acho que estou agindo certo e escrevo aqui na esperança de que alguém me dê uma luz, me mostre algum caminho, seja solidário comigo, ao menos.
2 comentários:
Prezada Verônica, quanto mais informação e conhecimento a Eliane adquire, mais consciência tem de que mora em um país onde a má distribuição de renda é uma das maiores causadoras da injustiça social, que segrega e faz aumentar cada, vez mais, o fosso entre as classes ricas e pobres. Este entendimento a faz se indignar e sofrer ao mesmo tempo, até por não poder mudar muita coisa. Com isso não quero dizer que seria melhor ela continuar sendo alienada e feliz, não, isso é só uma constatação. Mas por se tratar de pessoa lutadora e determinada, só o tempo dirá até onde ela poderá chegar, pois sua conscientização fará dela uma pessoa politizada e conhecedora dos seus direitos. Mas a Eliane é uma privilegiada, primeiro por ser uma pessoa curiosa e inteligente, que busca incessantemente no conhecimento, sua melhoria de vida e depois por trabalhar na casa de uma humanista e solidária, que se preocupa em ajudá-la. A Eliane não passará simplesmente por esta vida, ela já está deixando sua marca, pessoa que vem de um ambiente pobre, que não tem nem com quem conversar quando volta para sua casa, como você mesmo relata, sendo incompreendida em seu meio e tratada como uma pessoa de comportamento estranho, por pensar diferente, o que dá a entender que seu pai e irmãos, sejam conformados com a situação em que vivem, achando que o destino já está traçado e que de nada irá adiantar querer reverter esta situação de vida, pois tudo “foi Deus que quis assim”. Que Eliane continue tendo fé em si, lutando por uma vida melhor, lendo, informando-se, para que tenha cada vez mais conhecimentos, que somados à sua experiência de vida e com ajuda de pessoas como você, possa ficar mais preparada para enfrentar as dificuldades da vida, cheia de surpresas e traições, e que escreva tudo que lhe vier a mente, extravasando assim suas angústias, sofrimentos, como também dando vazão a suas histórias, pois essa catarse um dia poderá lhe render, se não dinheiro, mas satisfação para sua auto estima, deixando seu exemplo para que outros não sejam conformados e resignados, mas que lutem pelos seus sonhos de vida. Como disse Theodore Roosevelt: “É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se a derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota”. Um abraço, Armando
Armando, que bom ler você. Suas palavras vieram ao encontro do que eu penso e, finalizando com T. Roosevelt, me fazem ficar em paz, sabendo que vale a pena ajudar a Eliane na caminhada dela, para que não viva nessa "penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota."
Obrigada!!!
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